GEOMORFOLOGIA
GEOMORFOLOGIA
A grande diversidade litológica, associada a eventos geológicos em diversas épocas do tempo geológico, e as variações climáticas durante o Cenozoico, foram responsáveis pela elaboração de uma complexa paisagem em ambiente semiárido. Com relevância mundial, esta paisagem ajuda a contar a história da Terra desde o arqueano até os tempos atuais e abriga o maior e mais diversificado campo de inselbergs em granitoides ediacaranos do mundo.
Quanto à evolução geomorfológica, os trabalhos que discorrem sobre a origem e desenvolvimento de inselbergues, comumente utilizam conceitos de downwearing e etchplanação (Ebert e Hättestrand, 2010) ou pelo recuo paralelo de escarpas e pedimentação (King, 1956). Esses conceitos concentraram grande parte das discussões acerca da evolução de paisagens graníticas em climas secos a partir de uma ênfase morfoclimática. Atualmente as concepções de duplo aplainamento têm sido utilizadas para explicar a exumação e exposição do embasamento em superfície (Tarbuck and Lutgens, 2006), pois cada vez mais, têm se reconhecido que os componentes que regem a evolução associada aos campos de inselbergues estão relacionados a processos que ocorrem na base do regolito e não apenas em superfície (Twidale, 2002). Dessa forma, os inselbergues constituem um remanescente de erosão que pode fornecer informações importantes sobre a evolução geomorfológica dos terrenos em que ocorrem (Matmon et al., 2013).
Em Quixadá-quixeramobim, a superfície exposta do batólito constitui, em sua a maior parte, uma superfície aplainada, formada por extensos lajedos que caracterizam a unidade das depressões sertanejas (Figuras 1-2). Dessas depressões emergem os inselbergues com escarpas íngremes e alturas que podem atingir 150 m. Sua maior ocorrência situa-se na parte central do batólito onde são identificados mais de 30 inselbergues em uma área de 10 Km2.
O campo de inselbergues de Quixadá está circundado por maciços a NW, W e SW que formam um anfiteatro erosivo que encaixa a rede de drenagem, no caso a sub-bacia hidrográfica do Rio Sitiá (Figura 03). O padrão de drenagem assumido, do tipo dendrítico, denota bem as características do substrato litológico, onde é possível observar que os canais tributários drenam seus deflúvios e dissecam as escarpas dos maciços em direção ao centro da depressão central, representada pela superfície exposta do batólito. Nesta área, a resistência do embasamento associado aos granitos, obstaculizou a dissecação fluvial fazendo a drenagem contornar a área do batólito, encaixando-se por vezes no contato entre os granitos e o complexo Gnaisse-Migmático.
Figura 1 - Campo de inselbergues de Quixadá-CE. Do lado esquerdo, observa-se açude Cedro. (Foto: Rubson Maia, 2015).
Figura 2 – Bloco Diagrama Geológico-Geomorfológico de Quixadá e adjacências (ZCQ – Zona de cisalhamento Quixeramobim; ZCSP – Zona de cisalhamento Senador Pompeu). (Maia et al., 2015).
Figura 3 - Anfiteatro erosional de Quixadá (Pontilhado representa o contato entre o batólito granítico e o embasamento encaixante do complexo Gnaisse-Migmático. (Maia et al., 2015).
Os processos intempéricos atuantes estão subordinados a semiaridez, com clima do tipo Semiárido (Nimer, 1989), que se caracteriza pela predominância das altas temperaturas associadas a um regime de chuvas esporádicas, concentradas principalmente nos quatro primeiros meses do ano. Segundo Nimer (1989), o clima semiárido é influenciado pela zona de convergência intertropical, com período seco de junho a janeiro e úmido de fevereiro a maio. O sistema de chuvas é controlado principalmente por diversos mecanismos, os quais se destacam as frentes frias, a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e dos Vórtices Ciclônicos de Ar Superior (VCAS) e as ondas de leste (Nobre, 1994). A precipitação pluviométrica média é em torno de 700 mm anuais e a temperatura em torno de 27º C, com mínima de 21° C e máxima de 36° C. A umidade relativa do ar ao longo do ano na região é em média 70% e acompanha a curva de precipitação pluviométrica, com maiores valores observados de fevereiro a maio e valores menores de junho a janeiro (INMET, 2014).
A vegetação nos inselbergues se desenvolve em sítios de crescimento que são microclimaticamente e edaficamente secos, e sustentam uma vegetação altamente especializada (Porembski, 2007).
Os inselbergues do Nordeste Brasileiro tiveram suas explicações associadas a uma origem erosiva e residual sob a luz das teorias geomorfológicas clássicas. Contudo, a partir da concepção de duplo aplainamento, verificou-se que os inselbergues, inclusive os da Borborema, localizam-se em áreas, menos fraturadas ou mineralogicamente mais resistentes do embasamento (Corrêa et al., 2010). Especificamente, as descrições do relevo desenvolvidas em Quixadá por Torquato et al., (1989) e Souza et al., (2006) explicaram a gênese e evolução dos inselbergues utilizando-se do modelo de pediplanação a partir do controle litológico.
A esse respeito, Goudie, (2004) atesta que existem relativamente poucos casos em que os inselbergues ocorrem apenas por controle litológico, onde a base das escarpas coincide com um limite litológico. Assim a origem dos inselbergues não estaria relacionada somente as diferenças de composição mineralógica entre o morro e a planície circunjacente, mas, sobretudo por um controle estrutural por faturamento. Assim, os contrastes de composição ou densidade de fraturas são suficientes para iniciar diferenças nos padrões de intemperismo e erosão resultando na formação de inselbergues (Twidale e Vidal Romani, 1994).
Na área de pesquisa, verifica-se que o padrão de lineamentos possui a direção principal NE-SW, estando estes relacionados às zonas de cisalhamento Quixeramobim e Senador Pompeu. No interior do batólito os lineamentos são menos expressivos quando comparados com a densidade de lineamentos na área circunjacente do embasamento encaixante (Complexo Gnaisse-Migmático). Tal fato corrobora com Nogueira (1998) que revelou que na parte central do batólito os efeitos da deformação foram menos intensivos apresentando dessa forma uma incipiente foliação. Essa foliação possui orientação em geral paralela à direção geral das zonas de cisalhamento (NE-SW), que controlaram o alojamento do plúton.
A análise de lineamentos na área do batólito Quixadá indica que a maior concentração de feições lineares NE-SW e NW-SE coincidem com áreas com maior espaçamento entre os inselbergues. Isso sugere uma maior erosão associadas a essas áreas, condicionada pelos trends estruturais que favoreceram a dissecação. Os lineamentos são representados principalmente por pequenos baixos topográficos na forma de pequenas drenagens de 1° ordem sem padrão hidrográfico aparente. A figura 02 mostra a relação entre o trend de lineamentos regionais e a distribuição de inselbergues no âmbito do batólito granítico Quixadá.
Nos setores mais fraturados, a meteorização é facilitada, possibilitando uma alteração progressiva e mais intensa quando comparada a setores menos fraturados. Desse modo a densidade de inselbergues pode refletir o grau de fraturamento do maciço rochoso. A maior densidade de fraturas pode conduzir a uma maior dissecação originando feições mapeáveis do tipo lineamentos estruturais.
O papel exercido pelas juntas resultou na erosão diferencial que distinguiu o batólito segundo sua densidade do faturamento. Pode-se constatar que a maior ocorrência de inselbergues está relacionada aos núcleos granitoides com as menores densidades de fraturas o que possibilitou sua manutenção como afloramento.
Associada a esse contexto, o quadro paleoclimático pode contribuir sobremaneira para a erosão diferencial e consequentemente a exumação. Isso implica entre outras coisas, que o substrato de subsuperfície, aparecerá em superfície, porque as fases pedogênicas associadas as morfogênicas alteram e removem respectivamente, os níveis crustais mais rasos evidenciando estruturas mais profundas como os batólitos (Figura 4).
Figura 4 - Erosão diferencial e exumação dos batólitos. A1 - O magma ascende e exerce pressão sobre a crosta sobrejacente produzindo fraturamento. A2 – Fraturas condicionam os processos erosivos intensificando a dissecação. A3 – Formação de uma depressão circundada por relevos residuais que possibilita o afloramento do batólito. B1 – Superfície do batólito exumada. B2 – As fraturas facilitam o processo de intemperização superficial originando um manto de alteração. B3– Em uma fase erosional o manto de alteração é removido expondo as irregularidades do embasamento originando os inselbergues. As etapas B1 a B3 basearam-se no modelo de Ecthplanação de Budel (1982). (Maia et al., 2015).
Quando exumada, a superfície interna de um corpo granítico, definida pela estrutura que se encontra afetada por processos de meteorização é muito maior que a correspondente na superfície externa alterada, habitualmente restringida a parte superior do Batólito. O principal resultado da meteorização é a perda da coesão granular da rocha, permitindo assim a evacuação dos detritos friáveis (Romaní e Temiño, 2004).
Isso resulta no contínuo afloramento do embasamento expondo as irregularidades na distribuição das fraturas na forma de sobressaltos topográficos. Esses sobressaltos do embasamento constituem os inselbergues, que resultam da ação conjunta da alteração superficial diferencial segundo a densidade do faturamento e a susceptibilidade química à alteração. Dessa forma, a diferenciação de fáceis associadas a trama estrutural favorecem uma meteorização seletiva que resultará em mantos de alteração de espessura diferenciada. Esse contexto associado a variabilidade climática favoreceu a remoção do manto de alteração originando os inselbergues. Estes por sua vez, refletiram em suas formas, a preponderância de seu fator genético mais significativo seja de ordem geoquímica para as fáceis mais solúveis, seja de ordem física no caso dos inselbergues que evoluem por intemperização termoclástica.
Na área de estudo foi possível distinguir a ocorrência de 03 tipos de inselbergues segundo suas características morfogenéticas. Essa proposta de individualização baseia-se na ocorrência de feições erosionais derivadas da dissolução, do fraturamento ou a ausência de ambas. Especificamente no que concerne a formação de feições erosionais, observou-se que esta associação pode ser feita a partir de uma correlação litológica e faciológica dentro de uma mesma unidade litológica.
Os inselbergues do grupo 1 possuem as menores altitudes e são os que possuem mais feições de dissolução do tipo vasques, gnamas e caneluras. Nesses inselbergues, não há feições de faturamento nem de escamação aparentes. Normalmente ocorrem fáceis granítias porfiríticas ricas em fenocristais de Feldspato bem desenvolvidos com uma matriz micácea do tipo afanítica (Figura 5 A e B).
Figura 5 A - Inselbergue com feições de dissolução (Foto: Rubson Maia, 2016).
Figura 5 B – Pedra riscada (Quixadá) Inselbergue com feições de dissolução (Foto: Rubson Maia, 2016).
As feições de dissolução associadas a esses inselbergues devem-se a sua composição. Neste caso a solubilidade da biotita especificamente nos enclaves máficos e dos fenocristais de Feldspato. O menor teor de biotita associado a esses casos confere uma maior coesão física da rocha a intemperização termoclástica. Desse modo inselbergues do tipo 1 podem ser caracterizados por sua morfologia convexa associada a dissolução e por não exibir feições erosionais resultante do faturamento ou da escamação bem desenvolvidas. Nas escarpas desenvolvem-se uma densa rede de dissecação representada por feições de dissolução tipo caneluras contínuas ou intercaladas por níveis escalonados de bacias de dissolução do tipo vasques (Figura 6 A). O ponto de partida para a formação de feições de dissolução são os enclaves máficos associados aos granitos félsicos. Nesses enclaves ocorre um aumento pontual na proporção de biotita em relação ao feldspato resultando em uma dissecação mais intensa que encaixa a rede de drenagem originando a canelura (Figura 6 B).
Figura 6 - Foto A - Inselbergue do tipo 1, com feições de dissolução tipo caneluras. Foto B – Enclave elipsoidal máfico em granito pórfiro caracterizado por fenocristais de feldspato. (Foto: Rubson Maia, 2015).
Os inselbergues do tipo 2, caracterizam-se por uma grande densidade de faturamento. Nesses casos as feições que melhor caracterizam esses inselbergues estão relacionadas ao desmembramento do corpo rochoso e ao colapso de blocos. Esses inselbergues não são passíveis de classificação segundo padrões de concavidade ou convexidade, exibindo uma morfologia caótica resultante sobretudo da meteorização termoclástica e da esfoliação (Figura 7).
Nos setores mais íngremes, as feições de esfoliação originam taffonis de colapso. Os blocos desprendidos pela esfoliação colapsam e originam depósitos rudáceos do tipo caos de blocos na base das escarpas do inselbergues.
O terceiro grupo de inselbergues exibe escarpas maciças sem feições de dissecação aparente. Não há feições erosionais de dissolução significativas como caneluras, vasques e taffonis nem de faturamento como disjunção esferoidal ou escamação. Esses inselbergues ocorrem principalmente fora da área do batólito, ao sul e são associados ao embasamento encaixante do complexo Gnaisse-Migmático. Trata-se de inselbergues de escarpas íngremes, com morfologia convexa (Figura 8). Como ocorrem fora da área do batólito, estão orientados segundo a direção estrutural das Zonas de cisalhamento Senador Pompeu e Quixeramobim de direção NE-SW.
Figura 7 - Inselbergue do tipo 2, com feições de faturamento e rampa de tálus em sua base. (Foto: Rubson Maia, 2015).
Figura 8 - Inselbergues do tipo 3, sua ocorrência está associada ao embasamento encaixante do complexo Gnaisse-Migmático, nos arredores imediatos da área de ocorrência do plúton granítico Quixadá. (Foto: Rubson Maia, 2015).
Figura 9 – Mapa geomorfológico da área do geoparque proposto. Fonte: Freitas et. al, 2019.